segunda-feira, 13 de junho de 2011

O homem, a privacidade e seus emails

Eu sempre achei que quem deve não teme. O homem não sabe mentir direito, não tem esse dom que Deus colocou nas mulheres. Eu mesmo, quando penso em mentir para a minha namorada coloco os prós e contras na mesa. Eu consigo mentir, lógico. Mas só uma vez. Sei que se ela me perguntar de novo vou repetir a mentira errado, me enrolar todo, ficar nervoso, gaguejar, modificar toda a história e me entregar. Mesmo se ela não perguntar de novo, iria ficar esperando a tal pergunta de uma maneira torturante e iria contar, por não conseguir sustentar a mentira mesmo quando ela passou despercebida. Pensando nisso eu resolvo não mentir. Nem tanto porque sou um cara bonzinho e honesto, mas porque dá trabalho demais e eu não preciso passar por isso, se posso sempre falar a verdade.

Talvez por isso eu precure não fazer nada suspeito. Acho que a transparência é lindo em um casal. É a forma de dizer "não tenho segredos, estou pelado pra você". Por isso ela sabe todas as minhas senhas, deixo tudo meu logado no computador e no iphone, não falo com ninguém em um lugar "secreto" que ninguém possa ver, não apago nada do que fiz. Não coloco códigos entre eu e ela, entre a verdade e o mal entendido. Não é achar que sempre terá alguma coisa de suspeito pra eu ver. Não se trata de suspeita, mas de confiança.

Podem achar isso neurose ou algo parecido. Pra mim é normal. Se eu sou capaz de dormir todos os dias com uma pessoa e dividir a minha vida com ela, porque teria algo para esconder? Se eu divido a conta de luz, TV a cabo e aluguel com ela, porque não dividiria meu Facebook? Pra mim não faz sentido. Isso não é a tal da "privacidade". Privacidade eu tenho que ter do meu vizinho, do meu porteiro, do cara estranho que trabalha comigo. Da minha mulher eu não tenho que ter privacidade nenhuma. Mijo de porta aberta e escancaro meu email pra ela.

Essa crônica do Fabrício Carpinejar diz muito sobre isso:

"Conservo algumas pistas sobre a acidentada existência masculina. Pistas!, pois não tenho caminho, só o morto tem.

Antecipo uma delas. Na ausência de culpa, o homem reage mansamente quando sua mulher mexe no seu e-mail, no seu celular ou revista sua carteira. Não fará drama, não subirá no palanque para prometer pena de morte. Ficará ofendido, claro, mas não acabará com o relacionamento, muito menos despejará frases cortantes como “não dá mais”. Acompanhará o que ela tem a dizer e tratará de explicar ponto a ponto, redimindo enganos e distorções.

Marido inocente tem paciência. É incrível, sente-se feliz pela rara chance de exibir a ficha limpa e protagonizar merchandising da aliança. Desenvolverá uma generosidade imprevisível, vai dar colo ao choro e pedir que ela esqueça o desentendimento.

Ele é uma fera apenas quando sabe que tem alguma coisa de errado. Ao aprontar e fazer jogo duplo. Ao manter mensagens duvidosas e insinuações comprometedoras das outras. Não está magoado porque ela fuçou seus pertences (já perdoou a mãe por procurar toco de maconha em suas roupas), mas porque é bem provável que ela encontrou uma prova.

O pânico é a manifestação do crime. Tentará reverter sua posição defensiva em alucinado ataque, encenará a sina de vítima, com a ladainha de que viver assim é doentio ou de que amor nada é longe da confiança.

Quem não deve não teme e paga antecipado.
"

Despacho da Esquina, Fabrício Carpinejar.
http://carpinejar.blogspot.com/2010/10/despacho-da-esquina.html